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terça-feira, maio 09, 2006

fran`s
Amar.
Que pode uma criatura senão;
Entre criaturas, amar?
Amar e esquecer;
Amar e malamar;
Amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em sua rotação universal, senão;
Rodar também, e amar?
Amar o que o mar traz a praia;
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha;
É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto;
O que é entrega ou adoração expectante;
E amar o inóspito, o áspero;
Um vaso de flor, um chão e ferro;
E o peito inerte, e a rua vistam em sonho, e uma ave de rapina;
Este é o nosso destino: amor sem conta;
Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas;
Doação ilimitada a uma completa ingratidão;
E na concha vazia do amor a procura medrosa;
Paciente, de mais e mais amor;
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa;
Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

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